Foi no horizonte complexo e de certas particularidades, o eclodir simultâneo em dois países, Suíça e Brasil, em período de estagnação e paralisia da arte da modernidade, ou seja, numa época desfavorável às vanguardas, onde a Poesia Concreta com certo atraso floresceu. O barrroco brasileiro fora assim. Anos depois, significativa produção concreta seria publicada em livros: Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos, 1950-1960 (1965), Xadrez de estrelas (Haroldo de Campos, 1976), Poesia pois é poesia (Décio Pignatari, 1977), Viva Vaia 1949/1979 (Augusto de Campos, 1979).
É pertinente ressaltar, a Poesia Concreta acontecia de forma marcante em São Paulo, a maior cidade do país, para de lá se irradiar para o mundo. Os principais poetas do grupo permaneceram, atuando na cena cultural brasileira. O único do grupo fundador que continua na ativa é Augusto de Campos. O elenco diverso de referências que elegeram para bases teóricas resultaram em debates provocadores e estimulantes para, criticamente, repensarem-se pontos capitais da literatura e da arte contemporâneas. Mas, no afã de se incorporarem ao trajeto internacional da literatura, os poetas concretos deixaram de considerar aspectos que dizem respeito a outros centros brasileiros de produção, além do eixo Rio-São Paulo. Esses, não respondiam, necessariamente, ao projeto de modernidade emanado pela metrópole brasileira. Para efeito de contraste, basta lembrar o trabalho aglutinador das revistas paulistas produzidas na época do movimento modernista (na década de 20) e compará-lo ao papel das revistas do grupo concreto dos anos 50. Numa comparação desse tipo, não faltariam elementos para discutir o colonialismo interno, a dominação econômica e cultural, a importância de São Paulo nas relações internacionais estabelecidas pelo país. Esses elementos apontados geraram polêmicas e discordâncias. Isso confluiria, em reflexões identificadas em outros movimentos posteriores à Poesia Concreta, no período pré e pós-golpe militar de 1964. O país se estilhaçava nas complexas divergências políticas e ideológicas e o autoritarismo se solidificava para, através do golpe de estado, instalar-se no poder, enquanto a esquerda dividida resistia fazendo uso das armas de que dispunha.
Nesse cenário, se estruturava novas posturas e desdobramentos assumidos pelos artistas e intelectuais, como noss Centros Populares de Cultura, ligados ao ambiente universitário. O poeta Mário Chamie, publicaria em 1962 o livro Lavra-Lavra. Trazendo no posfácio o manifesto didático. Representava a “Poesia Praxis”, instaurado e programaticamente organizando através do ato de compor, da área ou da ambiência da composição mais um ato de consumir a escrita. Nesse mesmo ano aparecem os poemas “Cubagrama” e “Greve” de Augusto de Campos e “Portões abrem/patrões fecham” de Ronaldo Azeredo. A produção do “Grupo Tendência” de Belo Horizonte, de orientação marxista, vem à cena tendo o poeta Afonso Ávila à frente. A Bossa Nova internacionalizava-se e Vinícius de Moraes, poeta ligado à Geração de 45, recarrega baterias e consagra-se em letras de músicas antológicas. A inquietação permeava outras áreas de ação cultural e no mesmo ano do golpe militar o cineasta Glauber Rocha lançaria o filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, com trilha sonoro de Sérgio Ricardo. Em 1967, Glauber voltaria às salas de projeções cinematográficas, despontando “Terra em transe”. Naquele ano, decorreriam marcantes produções culturais: o Teatro Oficina montaria a encenação da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa; o III Festival de Música Popular da TV Record disparava as interpretações vitoriosas das canções “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, e “Alegria, alegria” de Caetano Veloso; transcorria a mostra visual Nova Objetividade no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, e era lançado o movimento do Poema-Processo.
Para a história da literatura, das artes e da cultura, no Brasil, cumpria-se uma seqüência de invenção criativa posterior e decorrente da geração de João Cabral, de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Jorge Amado à fase áurea da poesia e da prosa concretista. Era a época dos movimentos Neoconcreto, Praxis, Tendência,Tropicalista, Violão de Rua, Poema-Processo, Arte Construtiva.
A última vanguarda dentre os movimentos sucessivos compreendendo aí os marcos fundadores de 45 João Cabral de Melo Neto e João Guimarães Rosa, respectivamente da poesia e prosa, até o formalismo ortodoxo o concreto,vem a ser a manifestação do Poema-Processo. Ele é participante do ciclo vanguardista brasileiro vinculado à modernidade cultural do país. Estaria oficialmente compreendido em caráter cronológico entre os anos de 1967 e 1972, abrangendo, portanto, cinco anos de atividade ininterrupta. Observar-se-á mais adiante, nesse movimento os poemas concretos LIFE (1957) e ORGANISMO (1960) de Décio Pignatari o quanto foram importantes para a organização de conseqüentes e novas diretrizes poéticas. De 1945 a 1972 pode ser mais que isso. Mas é por aqui que se enxerga e se saboreia o supra sumo.
Dácio Galvão [daciogalvao@globo.com]
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