quarta-feira, 7 de setembro de 2016

CANTO GERAL - PABLO NERUDA

“CANTO GERAL foi elaborado em circunstâncias adversas, quando Neruda, perseguido, foi obrigado a transpor os Andes e refugiar-se no estrangeiro. Nasceu com a indelével marca do sofrimento.

Testemunha um grande amor ao Chile e ao seu povo, e, por extensão, a todos os povos latino-americanos, frequentes vítimas do despotismo. É um livro de combate e de ternura.

CANTO Geral é uma história marginal da América.”

* * *

Sem dúvidas, este foi um dos livros de poesia mais robustos que eu já li (602 páginas), e não só isso, é também um dos mais profundos. Confesso que em algumas partes da história, com o uso recorrente de suas metáforas, Neruda me deixou completamente perplexo. Senti que me faltou um conhecimento histórico para poder absorver melhor a mensagem que ele estava passando em seus versos. Isso me fez lembrar de uma frase do ilustre Ezra Pound:

“Os homens só podem compreender um livro profundo, depois de terem vivido, pelo menos, uma parte daquilo que ele contém.”

Enfim, esta foi somente a primeira vez que li CANTO GERAL. Certamente, depois de muito estudo e dedicação, quando eu lê-lo novamente no futuro, eu consiga compreender melhor as palavras do grande Pablo Neruda.

Durante a leitura, selecionei algumas das passagens mais significativas para mim:

CAPÍTULO X - O FUGITIVO

A todos, a vós,
os silenciosos seres da noite
que tomaram a minha mão nas trevas, a vós,
lâmpadas
da luz imortal, linhas de estrela,
pão das vidas, irmãos secretos,
a todos, a vós,
digo: não há obrigado,
nada poderá encher as taças da pureza,
nada pode
conter todo o sol nas bandeiras
da primavera invencível
como vossas caladas dignidades.
Somente
penso
que fui talvez digno de tanta
singeleza, de flor tão pura,
por eu ser vós talvez, isso mesmo,
essa migalha de terra, farinha e canto,
essa massa natural que sabe
de onde sai e onde fica.
Não sou um sino de tão longe,
nem um cristal enterrado tão profundo
que não possas decifrar, sou apenas
povo, porta escondida, pão escuro,
e quando me recebes, recebes
a ti mesmo, a esse hóspede
tantas vezes batido
e tantas vezes
renascido.
A tudo, a todos,
a quantos não conheço, a quantos nunca
ouviram este nome, aos que vivem
ao largo de nossos grandes rios,
ao pé dos vulcões, à sombra
sulfúrica do cobre, a pescadores e labregos,
a índios azuis na margem
de lagos cintilantes como vidros,
ao sapateiro que a esta hora interroga
pregando o couro com antigas mãos,
a ti, ao que sem saber me esperou,
eu pertenço e reconheço e canto.

* * *

CAPÍTULO XII - OS RIOS DO CANTO

II - A RAFAEL ALBERTI (Porto de Santa Maria, Espanha)

A inveja que abre a porta nos seres
Não pôde abrir a tua porta nem a minha.

(Rafael Alberti foi um poeta espanhol, membro da “Geração de 27”, amigo de Neruda)

* * *

CAPÍTULO XV - EU SOU

XX - A GRANDE ALEGRIA

A sombra que indaguei já não me pertence.
Eu tenho a alegria duradoura do mastro,
a herança dos bosques, o vento do caminho
e um dia decido sob a luz terrestre.

Não escrevo para que outros livros me aprisionem,
nem para encarniçados habitantes que pedem
água e lua, elementos da ordem imutável,
escolas, pão e vinho, guitarras e ferramentas.
Escrevo para o povo ainda que ele não possa
ler a minha poesia com seus olhos rurais.

Virá o instante em que uma linha, a aragem
que removeu a minha vida, chegará aos seus ouvidos,
e então o labrego levantará os olhos,
o mineiro sorrirá quebrando pedras,
o caldeireiro limpará a fronte,
o pescador verá melhor o brilho
dum peixe que palpitando lhe queimará as mãos,
o mecânico, limpo, recém-lavado, cheio
do aroma do sabão, olhará meus poemas,
e talvez eles dirão: “Foi um camarada.”

Isso é bastante, essa é a coroa que quero.

Quero que à saída da fábrica e das minas
esteja a minha poesia aderida à terra,
ao ar, à vitória do homem maltratado.
Quero que um jovem ache na dureza
que construí, com lentidão e com metais,
como uma caixa, abrindo-a, cara a cara, a vida,
minha alegria, nas alturas tempestuosas.

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