terça-feira, 15 de abril de 2014

M19 - LUZ, CÂMERA, CAIXÃO + ENTREVISTA

Blumenauense, ateu e revolucionário, Thiago (M19) vem se mostrando uma das revelações do Rap Nacional. Radical dentro e fora dos palcos, o rapper fala um pouco sobre sua vida e ideologia na entrevista abaixo. Confira:



RG - Porque o nome M19?
O nome M19 surgiu após eu ter conhecido a história do grupo Colombiano de esquerda que atuou principalmente na década de 80; o que fez eu me identificar com o mesmo foi o fato de eles terem invadido o Palácio da Justiça em Bogotá na tentativa de despojar o poder vigente da época e terem lutado por ele durante 28 horas até sucumbirem pelas armas do braço armado do estado, no caso, o exército. Dado isso, os principais fatores de identificação foram a questão de o grupo ser de esquerda e ter lutado até a morte pelos seus ideais. A luta da organização não se resume à tentativa de golpe, mas foi a atuação que mais me admirou pelo fato da resistência e da ousadia. 

RG - Desde quando você canta e compõe Rap? 
Não saberia precisar isso em datas exatas, mas venho escrevendo já a vários anos. Inclusive há vários anos, cheguei a gravar um CD caseiro, por mim mesmo, no meu quarto, com cerca de 20 músicas, só que a produção e as ideias não me agradaram e acabei por quebrar o CD e excluir todos os registros daquela época. Pode parecer estranho, mas não tinha a pretensão de gravar um CD ou mesmo cantar como venho fazendo, devido a isso algumas letras ficaram por um bom tempo armazenadas em meu HD, mas vi que era necessário integrar a luta e sair da omissão, tive também um incentivo dado pelos meus amigos Moysés do A286 e Vidal, do Liberdade e Revolução. Também vi que assim eu poderia contribuir com a minha parte mesmo sabendo que não é fácil, que lutamos de forma desigual, mas afirmo, pode que ainda não mudamos o sistema político, mas sei que o incomodamos, isso é fato! Sobre cantar, já é de menos tempo, comecei a cantar efetivamente mesmo após o CD ser lançado, quando começou a circular pelo país. 

RG - Fale um pouco sobre sua visão política. 
Todo poder ao Povo! Todo o poder à maioria, nunca à minoria como sempre foi em governos capitalistas! Quando comparamos o feudalismo com o capitalismo, vemos que o que ocorreu foi uma grande evolução no sistema baseado nas desigualdades, que a cada dia vem se moldando de acordo com as exigências do momento, mas que sempre se alicerçou na supressão de direitos e sempre subjugou povos, etnias e diferenças. Um sistema político que se consolidou através da exploração do trabalhador e que a mantém por meio da força bruta, da violência, jamais irão consentir com mobilizações e reivindicações sociais, de organizações de frente popular, e também por que uma revolução não se faz via reformismo e sim com enfrentamento! Os índios já viviam numa sociedade comunista, ou seja, igualitária, até a chegada dos capitalistas para corrompê-los, a desigualdade não é um fenômeno da natureza, portanto jamais deveremos aceitá-la como algo comum. Lênin já dizia: “Toda cozinheira deve saber governar um Estado!” Ou seja, todos nós deveremos saber ou tentar saber sobre política, pois a pior fatalidade pra quem bate no peito se dizendo apolítico é ser dominado por quem é politizado. Em toda a história, a engrenagem do capitalismo sempre foi lubrificada com o sangue do trabalhador, então que todos saiam as ruas com suas reivindicações que todas as praças públicas se igualem à praça Tahrir! Machismo, racismo, homofobia, fascismo, xenofobia, religião e capitalismo, não se discutem, se destrói! 

RG - Desde quando você é adepto ao ateísmo? 
A meu ver, adepto pode soar de forma distorcida para inúmeras pessoas, até porque o ateísmo não é um dogma ou uma organização como tais poderiam pensar, mas uma forma de enxergar os pontos relativos à divindades e experiências que dizem existir. Posso dizer que nunca fui verdadeiramente deísta, todavia, ateu também não poderia dizer que era, minha convicção ateísta existe a cerca de cinco anos. A chegada ao ateísmo não foi algo repentino, mas sim paulatino. Após meu senso crítico ter estourado as grades construídas pela alienação comecei a pesquisar e a questionar o que geralmente não se questiona. Nesse ínterim, evidentemente surgiu a religião, infelizmente um dos maiores e mais fortes instrumentos de dominação existente na humanidade e novamente mais uma corporação aliada à burguesia usada como atenuante para conter os levantes e para justificar o sofrimento que a classe menos favorecida sofreu e sofre até hoje. Agora se você me perguntasse o porque não creio em deuses, demônios, anjos, espírito santo e toda essa fantasia sabe se lá quantas linhas daria esta reportagem, pois são inúmeros os motivos. 

RG - Você já sofreu algum tipo de preconceito quanto á sua cor e a condição de ser rapper? 
Felizmente não, somente algumas poucas brincadeiras, mas proferidas de maneira amistosa. Brancos, negros, índios, asiáticos, todos tem suas reclamações à fazer! Julgar alguém pela epiderme é algo estúpido, ainda num país tão miscigenado como o Brasil. 

RG - Quais são suas influências musicais e ideológicas? 
Influências musicais sempre foi o Rap escrito e cantado de maneira mais contundente e que tratasse de denúncias, críticas e lutas sociais . Já ouvi bastante Rap, já hoje, quase não ouço, pois além de utilizar meu tempo pra ler, escrever e outros afins, letras e temas comprometidos com a causa revolucionária estão escassos, exceto alguns poucos que ainda resistem. A maioria se perdeu na comodidade e fala de “sistema” de uma maneira completamente superficial, e isso realmente me aflige. Não precisamos querer unir Rap à política, afinal, Rap é política! Sobre minhas influências ideológicas, posso resumir aqui no momento alguns nomes como Marx, Lênin, Trotsky, Che Guevara, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Malcolm X, Black Panthers, Zumbi, Steve Biko, Ho Chi Minh, Emiliano Zapata, nessa linha. 

RG - Em sua opinião, qual deve ser a postura do Rap Nacional em relação às muitas críticas sofridas por parte de outros estilos musicais? 
Essa pergunta pode ser considerada como um momento de autocrítica. O maior problema é qual postura o Rap Nacional tem no momento. Em relação à algumas críticas recebidas de outros movimentos, o Rap Nacional não deve responder, mas sim consentir e repensar, porque temos que admitir que grande parte do público é culpado, por não zelar pelo movimento e parte dos cantores são culpados por agirem com hipocrisia não seguindo o que muitas vezes falam no palco, quando falam. A partir do momento em que o Rap se dar o respeito poderá ele cobrar da sociedade, mas cooptado como anda sendo, acredito que não todos, mas a maioria não tem moral para cobrar respeito alheio. Um ponto que é fundamental salientar aqui e que é fato é que o movimento como um todo pode ser desrespeitado, mas quando o grupo/cantor é sincero e demonstra postura, quando não usa máscara o respeito automaticamente chega a ele. 

RG - Você pretende continuar na carreira solo ou irá adicionar pessoas ao grupo? 
Não que seja carreira solo, mas atualmente sou o único integrante oficial do M19 por escassez de compromisso que percebo que há. Acredito que mais alguém pra fortalecer ao menos nos shows seria ótimo, porém, como diz o conhecido ditado: “Melhor sozinho do que mal acompanhado!”. Escrever, gravar e subir no palco é fácil e há muitos, o difícil é encontrar alguém que preze por uma postura e compromisso. Como hoje em dia conto diretamente com meus manos do Liberdade e Revolução, que além de possuirmos uma enorme identificação ideológica, cantam comigo nos shows como se fossem de fato do grupo, a razão de eu cantar “sozinho” não me atrapalha em nada, portanto a adesão de um cantor a mais no M19 virá ou não, de acordo com as adversidades. 

RG - Fala pra galera um pouco mais sobre seus futuros projetos no Rap. 
Meu próximo projeto, que na verdade já está em andamento não é especificamente do M19, mas sim da Família Rap Nacional, juntamente com os membros da organização. A Marcha da Periferia será realizada no dia 20 de Novembro, na Praça da Sé, no centro de São Paulo-SP, onde contamos com todas as organizações que tem algo a dizer a esse governo do traidor do PT e à todo esse sistema imperialista! Precisamos ir além dos palcos, além das rimas, além das fotos e clipes, precisamos de ação coletiva, de verdadeira Resistência! Nós, da Família Rap Nacional queremos pôr o que a muito vem sendo pregado em prática! Sobre projetos do M19, estou escrevendo novas letras, já tenho o tema do novo trabalho, pode que tenha alguma alteração no decorrer do tempo, pois nada é concreto ainda, mas espero agradar aos ouvidos de todo o oprimido e atacar diretamente à burguesia e o imperialismo mundial. 

Por Renata Bettoni
Jornalista – RapGyn.Com

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